quinta-feira, 25 de novembro de 2010

ORIGENS DO FEMINISMO CRISTÃO

1.  
No fim do século passado, um grupo de mulheres cristãs norte-americanas, lideradas por Elizabeth Cady Stanton, começaram a se reunir periodicamente para estudar todas passagens bíblicas onde havia referência à mulher, a fim de relê-las e interpretá-las à luz da nova consciência que a mulher tinha de si mesma. Nesses encontros nasceu a Woman’s Bible, editada em duas partes, respectivamente em 1895 e 1898, uma obra que abalou o mundo protestante americano. A realização desse vasto projeto de revisão e re-interpretação da Bíblia por parte de um grupo de mulheres é o primeiro sinal marcante de uma nova consciência da mulher, que amadureceu também no interior de comunidades cristãs. A idealização da Bíblia da Mulher foi considerado como um fato tanto cultural como eclesial e como ponto de partida de um longo processo, que levaria em torno dos anos sessenta — contemporaneamente ao emergir das teologias da libertação — à elaboração do projeto de uma “teologia feminista”.

1.1 No campo católico

Fundou-se a  “Aliança Internacional Joana D’Arc”, instituída na Grã-Bretanha em 1911. Foi um dos primeiros movimentos no meio católico e propunha-se  a “assegurar a igualdade dos homens e das mulheres em todos os campos”. As associadas da Aliança usavam como lema de reconhecimento a fórmula: “Pedi a Deus: Ela vos ouvirá!” O uso polêmico do feminino “Ela” a propósito de Deus sublinhava que Deus não é nem masculino nem feminino, mas está além das diferenciações sexuais, relativizando assim, pelo menos no plano linguístico, o predomínio do gênero masculino.

1.2 No campo protestante

Verificou-se outro momento importante no período de 1956 a 1965, quando as principais correntes do protestantismo decidiram admitir as mulheres no pastorado, fato que representou uma grande novidade eclesiológica nestas comunidades, com exceção das igrejas livres do Estados Unidos que praticavam a ordenação de mulheres desde 1853.

2. INFLUÊNCIA NA TEOLOGIA CATÓLICA

O movimento teológico feminino em crescente ascensão se impôs também à teologia da Igreja católica: Por ocasião do Concílio Vaticano II, quando um grupo de mulheres, chefiadas por Gertrud Heinzelman, dirigia-se publicamente aos padres conciliares com o livro-manifesto, onde o tema principal era: — “Não estamos mais dispostas a calar”. A Editora do volume, argumentando a partir de sua condição de jurista, se exprimia na introdução da obra da seguinte forma: “Se o batismo faculta ao homem receber os sete sacramentos, mas faculta à mulher receber apenas seis sacramentos, então o batismo não opera com a mesma eficácia no sentido de tornar o homem e a mulher membros da Igreja. Deste modo  se era proibido à mulher a recepção de um sacramento, isto significava a redução dos direitos eclesiais da mulher como pessoa, como também uma diminuição no que tange ao estatuto dos membros da Igreja. Além disso, no que se refere ao estado laical, os direitos dos homens e das mulheres não eram equivalentes, por que os homens tinham a possibilidade de receber a ordenação sacerdotal, enquanto as mulheres permaneciam excluídas desta possibilidade”.

2.1 Após o Concílio Vaticano II

Nos anos do pós-concílio a problemática ampliou-se tornando-se evidente pelo livro, pioneiro em campo católico, da teóloga Mary Daly, intitulado “A Igreja e o segundo sexo” (1968), que representou a primeira resposta católica articulada — o próprio título insinuava isso — à obra da escritora francesa Simone de Beauvoir, “O Segundo sexo” (1949), “A mística da feminilidade” (1963) de Betty Friedan e a “Política do sexo” (1969) de Kate Millet, representaram o texto-base do feminismo contemporâneo.
No primeiro tomo de sua obra, Simone de Beauvoir dedica um capítulo ao estudo da relação entre cristianismo e mulher, que se abre com estas palavras: “A ideologia cristã contribuiu não pouco para a escravidão da mulher”.  O livro de Mary Daly não pretendia ser um confronto filosófico com toda a exposição de Simone de Beauvoir, que se movia na perspectiva da moral existencialista, mas apenas seguir o filão da crítica ao cristianismo para avaliar sua base histórica e elaborar uma “resposta adequada” da parte cristã. Nesse livro, a jovem professora do Boston College tentava, com abordagem nova e despreconcebida, apresentando uma leitura da tradição bíblica e eclesiástica do ponto de vista da mulher. O livro é, em grande parte, um processo à tradição antifeminista da Igreja, embora Daly no fim de sua reconstrução histórica exprisse a convicção de que, apesar dos condicionamentos e dos desvios da história eclesiástica, o Evangelho permanece sempre uma mensagem de esperança para cada homem ou mulher. E, pegando a onda do concílio recém-celebrado, propunha um vasto programa de reforma da doutrina e da prática da Igreja, que formulava em termos de “exorcismo cultural” (Harvey Cox) frente ao sexismo da Igreja e da sociedade: “A cristandade, e particularmente a Igreja Católica, ainda não enfrentou a tarefa que lhe compete, ou seja, exorcisar o demônio dos preconceitos sexuais permanecendo até mesmo a reboque do mundo”.
Nas últimas décadas, um grupo de mulheres cristãs, bastante numeroso e qualificado, inicialmente nos Estados Unidos e depois na Alemanha e Europa, desenvolveram um novo tipo de reflexão teológica, que foi denominado de “teologia feminista” e cuja fase de formação pode ser colocada aproximadamente em paralelo com o que aconteceu com a teologia latino-americana da libertação e com a teologia negra norte-americana, entre os anos de 1968-1975.       

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