segunda-feira, 29 de novembro de 2010


Resumo da História do Feminismo

Como já vimos, o termo feminismo vem sendo utilizado no ocidente a partir do século XIX, com registros, inclusive no Brasil, a exemplo da autora Nísia Floresta. Porém, a origem da ação política das mulheres, na perspectiva da transformação das relações de poder entre homens e mulheres, data já do século XVIII, sendo a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, escrita por Olympe de Gouges, em 1791, no âmbito da Revolução Francesa, a indicação mais convincente da existência dessa ação naquele período.

Observando-se o desenvolvimento histórico do feminismo nesses mais de duzentos anos, podemos identificar três grandes dinâmicas na sua trajetória política, para as quais adotaremos as nomenclaturas: Feminismo da Igualdade; Feminismo da Diferença; e Feminismo de Governo, buscando definí-las, também, a partir de uma certa divisão cronológica.

1o. Feminismo da Igualdade - Conquista de Direitos: entre fins do século XVIII e os anos de 1960

Nesse longo intervalo histórico, o feminismo concentrou esforços na denúncia das injustiças sociais cometidas contra as mulheres e na luta por conquista dos direitos da democracia liberal, referenciados nos direitos garantidos aos homens: direito à educação formal em todos os níveis; direito ao trabalho formal; direito à propriedade; direito ao voto. Também, muitos são os escritos de feministas que participaram durante o século XIX e começo do XX das revoluções e movimentos sociais como o das Sansimonistas[1], das mulheres da Comuna de Paris e da Revolução Russa, que atestam já naquele momento a exigência feminista da simultaneidade das lutas pela liberação de classe e sexo.

Nesse período, observamos que uma característica importante da ação feminista era o duplo foco: a ampliação da participação das mulheres na sociedade, a exemplo das militantes Sansimonistas[2]; e a inserção das mulheres na vida política, através de seu acesso aos lugares de governo no aparelho de Estado, cuja maior expressão é a luta Sufragista, com a sua reivindicação dos direitos da mulher de votar e ser eleita.

O Feminismo da Igualdade expressa a idéia de que o lugar de subalternidade das mulheres na sociedade era devido à educação que lhes era imposta. Contudo, existe nesse mesmo discurso contradições, uma vez que se buscava ressaltar que as mulheres seriam portadoras de predicados morais e afetivos naturais, biológicos, que lhes diferenciariam dos homens, os quais constituiriam a essência da mulher. Ou seja, o Feminismo da Igualdade ainda não consegue equacionar o binômio Natureza e Cultura, de forma a entender que o destino político, econômico e social de homens e mulheres na sociedade não se deve à presença de “qualidades” biológicas nos machos ou nas fêmeas da espécie humana, mas, sim, aos processos culturais de atribuir valores aos  indivíduos a partir da diferença de sexo. Ser mulher ou ser homem é uma construção social. Voltaremos a essa questão mais adiante, quando tratarmos do Feminismo da Diferença.

Os destaques nesse período são dois:
·         A luta por direitos políticos desde a Revolução Francesa e as manifestações sufragistas. A força das feministas nessa luta esteve em exigir coerência da filosofia política da igualdade, reivindicando a igualdade entre os sexos. Chamadas de burguesas, de defensoras do capitalismo, as sufragistas ainda hoje não ocupam o lugar de destaque que merecem na história das lutas feministas.

·         A exigência de simultaneidade das lutas para a conquista da emancipação de classe e sexo. Coincidindo com a trajetória de grandes enfrentamentos entre a esquerda e a direita, que se antagonizavam, sob o primado da luta de classes, o feminismo foi duramente reprimido por ambos os lados, até o seu total desbaratamento seja pelos regimes socialistas, seja pelo nazismo. Os fracassos dos totalitarismos, a desconfiança no determinismo histórico, as experiências realizadas pelas mulheres na segunda guerra mundial reabrem, a partir da década de 1960, as portas para o feminismo. Para um feminismo seguro de que o caminho para a liberação das mulheres não se reduzia à abolição das relações de produção capitalista e à incorporação das mulheres ao trabalho assalariado, nem às conquistas dos direitos das democracias liberais.
           
2o. Feminismo da Diferença – Conquista da Discussão sobre a Cultura: dos anos de 1960 a década de 1990.

Entre 1960 e 1990, quando os direitos das mulheres na maioria das sociedades ocidentais estavam reconhecidos formalmente, a ação feminista concentrou esforços na superação das desvantagens, decorrentes dos hábitos e costumes, com as quais as mulheres, mesmo na condição de titulares de direitos, continuavam a conviver.  Há, então, a possibilidade de aprofundamento da compreensão sobre a subjetividade das relações de gênero no próprio campo político, gerando uma discussão sempre mais intensa sobre Natureza e Cultura. Nesse processo, esclareceu-se, teoricamente, que além das diferenças entre homens e mulheres, existem diferenças entre as próprias mulheres, que conformam desigualdades e precisam ser tratadas. Estabeleceu-se, então, não só o direito a diferença, mas, fundamentalmente, a compreensão de que o respeito às diferenças constrói relações sociais mais condizentes com as necessidades dos seres humanos.

A idéia de que a diferença constitui o ser humano distingue esse período do anterior, no qual se acreditava que as mulheres eram todas iguais, pelo fato de partilharem o mesmo sexo. As formas de opressão das mulheres dependiam também de outras relações sociais. Assim, pertencer ao mesmo sexo não define a mesma condição de classe para todas as mulheres. Da mesma forma que compartilhar a mesma condição de classe ou pertencer à mesma raça não define o mesmo lugar na sociedade para homens e mulheres.  

A partir daí, as feministas constroem as suas formulações teóricas, demonstrando que as esferas públicas e privadas estão intrinsecamente relacionadas. Esclarece-se, também, que tanto as relações na esfera pública quanto as relações na esfera privada são relações sociais, construídas através de relações de poder. Consolida-se, então, o famoso slogan: “o privado é político”.

A contribuição do feminismo à compreensão da multiplicidade das mulheres e de que o biológico não determina habilidades, qualidades e defeitos, o leva a se firmar como uma das correntes do pensamento moderno, informando, então, que a discriminação das mulheres se reproduz através do cultivo de valores éticos e morais das sociedades patriarcais e falocêntricas.

São esses valores que continuam instituindo comportamentos diferenciados por sexo, para os indivíduos desde a mais tenra idade, formatando as suas relações nas esferas privada (amor, ódio, sexualidade, casamento, família, amizade, etc.) e pública (trabalho, política, construção do conhecimento, etc). O feminismo vai compreender, ainda, que são esses valores que trazem prejuízos à construção de relações de cooperação entre homens e mulheres para transformação da sociedade e que as revoluções e os governos, liberais ou socialistas, não são neutros diante das desigualdades de gênero.

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